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Titulo do Artigo
Autor
Ano XXVIII • 2011-09-30 • nº 3 •
Trabalho e criatividade
 
palavra-chave
 
   

artigos
"Se alguém não quer trabalhar, também não coma". Significado do trabalho no Novo Testamento • pág 263
Hoppe, Rudolf
Parábola dos vinhateiros. Que justiça? • pág 277
Neves, Joaquim Carreira das
Acerca do ócio cristão • pág 287
Raguz, Ivica
Por uma espiritualidade do trabalho. O contributo de Simone Weil • pág 297
Silva, Manuela
O trabalho, chave da questão social • pág 307
Beretta, Simona
O trabalho e a lei • pág 321
Fernandes, António Monteiro
Para além da criatividade • pág 333
Boulnois, Olivier
Ora et labora. Teologia do trabalho no monaquismo antigo e medieval? • pág 345
Prügl, Thomas
No prato certo da balança. Algumas considerações sobre "criatividade" em The Poetic Redress de Seamus Heaney • pág 357
Falcão, Maria Luísa
Ser padre em mundo operário • pág 361
Ferreira, Luís M. Martins
O trabalho no cinema de Jia Zhang Ke • pág 367
Marques, Vasco Baptista
Relação Pastoral de Ajuda. Boas práticas no acompanhamento espiritual de doentes • pág 373
Sampaio, Fernando


apresentação

M. Luísa Ribeiro Ferreira – Teresa Monteiro Fernandes – José Patrício


Se atendermos à etimologia latina da palavra trabalho verificamos que na sua origem está o termo tripalium, um instrumento de tortura. O carácter pejorativo que durante séculos se associou ao trabalho prende-se com a ideia de punição e de constrangimento, uma associação reforçada pela narrativa do paraíso terrestre no livro do Génesis. Esquecemos no entanto a passagem no mesmo relato na qual se afirma ter Deus colocado o homem no jardim do Éden para o cultivar (Gn 2,15), o que certamente exigiria algum trabalho mas em que este de modo algum era encarado como fardo ou castigo.
Se na antiguidade o trabalho é um estigma, opondo um pequeno número de cidadãos livres a uma maioria de escravos, pobres, mulheres e crianças, com o aparecimento da sociedade burguesa ele torna-se factor de valorização e de criatividade, afirmando-se como valor moral e como instrumento de realização.
O presente número da Communio pretende realçar a dimensão criativa da actividade laboral, mostrando-a como um dever mas também como um direito. Perspectivando este tema na actualidade, verificamos que a partir de 1980 até aos dias de hoje o desemprego é cinco vezes maior do que nos vinte anos do pós-guerra – actualmente contam-se 205 milhões de desempregados e cerca de metade dos que têm emprego são mais ou menos vulneráveis ou precários. Consequentemente, o trabalho surge como um bem relativamente escasso e, sem dúvida, precioso, sobretudo para os jovens ou, mais grave ainda, para os denominados NEETS – sem emprego, nem ensino, nem formação profissional – que, por exemplo, na OCDE atingem 12,5% na faixa dos quinze aos vinte e quatro anos. É uma situação agravada pela crise financeira e económica em que estamos mergulhados. Mas a verdade é que já antes dela se desenhava essa tendência, por força tanto da globalização como das inovações tecnológicas que alteraram radicalmente a economia mundial e o próprio trabalho. Este, em breves traços, analisa-se hoje em três grandes tipos: o "transformacional", com recurso à força física – é o caso da construção civil; o "transaccional", envolvendo operações de rotina e que por isso pode ser automatizado (bancos e call-centres) e o "interaccional", ligado ao conhecimento, à perícia e à colaboração com outras pessoas, como por exemplo a consultoria de gestão e a banca de investimento.
Note-se que a actual consciência colectiva já não vê no trabalho apenas um meio de subsistência, ainda que desafogada – o bem da vida assinalado por T. Roosevelt, em 1903: trabalho para ter pão na mesa e dinheiro no banco – mas o modo de alcançar a realização pessoal. Essa valorização e personalização do trabalho é parte integrante e explícita do mais antigo ensino social católico, estando especialmente presente na sua magna carta que é a Laborem exercens, de João Paulo II. Nela se afirma que "o trabalho é um bem do homem – é um bem da sua humanidade – porque, mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido, 'se torna mais homem’." (n. 9)
A abrir este número da Revista temos o texto de Rudolf Hoppe, Se alguém não quer trabalhar também não coma (2Ts 3,10b). Aqui a noção de trabalho é enquadrada no Novo Testamento. Informando-nos sobre a geografia sócio-económica da Galileia e relevando o trabalho exercido por S. Paulo, o texto inspira-se em parábolas como a dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-15), dos talentos (Mt 25,14-30/Lc 19,12-27) ou do cultivador de cereais (Lc 12,16-21) que ilustram o sentido da pregação de Jesus.
No artigo Parábola dos vinhateiros – que justiça?, Joaquim Carreira das Neves analisa a questão do salário justo, tal como aparece a uma primeira leitura na conhecida parábola, exclusiva do evangelho de Mateus. Depois de percorrer as noções de justiça na filosofia política, desde os gregos atá à actualidade, e de se referir ao entendimento da justiça social no Antigo Testamento, mostra qual a mudança de paradigma imposta pelo texto mateano.
Realçando uma perspectiva cristã do trabalho, temos os textos de Ivica Raguz e Manuela Silva. Raguz centra-se na noção de "ócio" em contraponto com a de "tempo livre", analisando os que se inserem no mundo do trabalho, muitos deles vítimas do delírio workaholic que conduz à privação da relação com os outros e consigo mesmos. Passando pela constituição conciliar Gaudium et spes e por autores como Nietzsche ou Baudelaire, Ivica Raguz conclui que "para os cristãos, as três dimensões do ócio – a liberdade como receptividade, a alegria da plenitude e a liturgia – se conjugam e celebram ao domingo, no ‘dia do senhor’.". Manuela Silva lembra-nos que numa perspectiva cristã o trabalho não é, nem deve ser, encarado como mero factor de produção, salientando as consequências negativas decorrentes do actual modelo de "capitalismo financeirizado". Daí a oportunidade da obra de Simone Weil, cimentada numa experiência vivida da condição operária e surgindo como testemunho de grande actualidade pois salienta o valor humano do trabalho, concilia trabalho e liberdade e atribui ao primeiro um papel determinante na procura de caminhos para Deus.
No artigo cujo título O trabalho, chave da questão social reproduz a epígrafe de um dos capítulos da Laborem exercens, Simona Beretta coloca em paralelo a evolução do pensamento económico e a da doutrina social da Igreja, fazendo notar a atenção dada por esta às relações tecidas nas inter-relações sociais de uma forma mais realista (que não moralista) do que os modelos económicos dominantes, caracterizados pela impessoalidade e abstracção.
Em O trabalho e a lei, temos a perspectiva de um jurisconsulto, António Monteiro Fernandes. Pela análise empreendida percebemos a degradação de que tem sido objecto o trabalho no direito legislado e na respectiva execução, mormente quando se "flexibilizam" quer o acesso quer a cessação (despedimento) do vínculo de emprego. Torna-se patente que a dignidade do trabalho e do trabalhador assim como a sacralidade da família estão a ceder perante a soberania absoluta dos mercados e da competição económica, numa lógica sem humanidade nem futuro.
Olivier Boulnois analisa a criatividade na arte, algo que pensávamos indiscutível mas que na realidade diz respeito a um período histórico situado entre os séculos XV e XX. Em Para além da criatividade afirma que nem sempre a criatividade foi valorizada. O conceito de criação não se aplicava às obras antigas e medievais, tal como também não se aplica às obras contemporâneas. A constatação deste facto leva Boulnois a analisar a crise actual, presente no conceito de obra de arte, e a desenvolver uma teoria estética em que se atribui à arte uma dimensão religiosa pois "só a beleza pode revelar a verdade e salvar o mundo".
Thomas Prügl em Ora e labora. Uma teologia do trabalho no monaquismo antigo e medieval? reflecte sobre o monaquismo pré-moderno em que o modelo beneditino de oração e de trabalho são encarados como instrumentos de realização individual e de salvação.
Em No prato certo da balança comenta-se o desafio feito pelo poeta Seamus Heaney a trinta autores (irlandeses) por ocasião do 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008. Luísa Falcão não só nos faz a história desta iniciativa, marcada pela inspiração e pela criatividade, como nos propõe uma reflexão sobre um documento que "criou um consenso moral universal e, se nem sempre conseguiu corrigir abusos, não desiste de fazer ouvir a voz dos pequenos e silenciados".
A secção Depoimentos recolhe os contributos de um padre operário e de um crítico de cinema. No texto de Luís Manuel Martins Ferreira pulsam quarenta anos de experiência enquanto Padre Operário no seio da Congregação dos Filhos da Caridade, iniciada em Paris e concluída na zona fabril de Setúbal em 2008. Na sua narrativa são-nos recordadas a "importância da militância cristã de presença" e a aprendizagem da oração e da reflexão em ambiente de trabalho, por pesado, repetitivo e ruidoso que seja, mas também a experiência "do que há de melhor na natureza humana: a fraternidade e a solidariedade".
Ao comentar o filme 24 City do realizador chinês Jia Zhang-Ke, Vasco Baptista Marques chama a atenção para o papel central que o tema do trabalho desempenha na filmografia deste cineasta. A obra em causa é significativa das alterações decorrentes da passagem do maoísmo para o capitalismo, mostrando-nos uma China contemporânea que procura situar-se entre dois universos aparentemente incompatíveis.
Na secção Perspectivas insere-se o texto de Fernando Sampaio sobre Relação Pastoral de Ajuda. Boas práticas no acompanhamento espiritual de doentes, no qual se explicam os propósitos, fundamentos e técnicas multidisciplinares da forma de apoio ao doente actualmente conhecida por Relação Pastoral de Ajuda, em prática nas nossas capelanias hospitalares. Baseada na psicologia humanista e existencialista dos anos 60, sob inspiração do perfeito modelo de empatia alcançado pela Incarnação de Jesus, esta forma de relação dá ao doente sentimentos de compreensão, de amor e de estímulo.
 
  KEOPS multimedia - 2006